Andava pelo lado direito da calçada esbarrando nas pessoas. Havia saído pela porta da frente aquela noite, com uma mochila nas costas, o cabelo preso e esperando o mundo desmoronar aos seus pés, ou ajoelhar. Não sabia direito o que esperar. A ansiedade martelava o peito como os sinos da igreja as seis da tarde.
Entrou no ônibus e, como sempre, lotado. Cansada de reclamar, encaixou-se num canto e ali ficou. Naquela noite o vento soprava forte na Av. Paulista.
Arrumou o cachecol rosa e branco, fechou a blusa e colocou o gorro, mas ainda assim sentia o frio circular dentro de si, impregnado no seu sangue.
Encostou-se próxima ao prédio da Gazeta e aguardou. Um, dois, três cigarros. Finalmente ele chegara. O frio na barriga convencional inundou-a por dentro, fazia quase um mês que não se viam. O sorriso era o de sempre. O olhar o mesmo. O caminhar idêntico. Mas tinha algo diferente. Talvez no abraço com tantas roupas entre eles. Ou no carinho do cabelo. Não sabia dizer o que era, mas havia algo de diferente no ar.
Entendeu, depois de muito tempo que aquele era o começo do fim. A partir daquele momento, ele não era mais o mesmo. Porém, ainda podia sentir o ar gélido bater no seu rosto aquela noite. E como as lágrimas que rolaram pareciam que iam congelar. Na verdade, congelaram. Ainda resta alguma coisa delas no rosto.
E, por fim, aquele olhar, aquele sorriso e aquele caminhar se perderam na lembrança. O vira outras vezes depois? Sim, claro. Mas tudo aquilo que a fizera se apaixonar já não pertencia mais a ele. Ele mudara, irreversivelmente. E ela mudara, descontroladamente. Mas, alguma coisa... Sempre resta.
"Dizer 'pra sempre' é bem menos do que sentir na carne, querer de verdade. E tem coisas que não vão sumir, você sabe. Tem um lugar em mim que é só teu, e nada vai mudar porque é meu. Mesmo que a gente deixe errado o que a gente escolheu." (Ao que é bom nessa vida - Dance of Days)
(Letícia Christmann)