Cuba

em domingo, maio 30, 2010
Venha e viva essa experiência

Inspirada por uma dessas tantas propagandas turísticas, me passou pela cabeça uma ideia para atrair visitantes para a Ilha. Não se trata de uma viagem ecológica para apreciar a natureza ou um tour turístico pelas praças e monumentos do país. Uma estadia "no estilo cubano" poderia ser o slogan dessa campanha publicitária, condenada de antemão ao desinteresse dos seus possíveis receptores. "Venha e viva essa experiência" rezaria a capa da caderneta de racionamento que seria entregue a cada um dos que se inscrevessem para essa aventura.
A hospedagem não se pareceria com os aposentos de luxo que exibem os hotéis de Varadero ou de Cayo Coco, pois nossos agentes de turismo sugeririam quartinhos em Centro Habana, casas de cômodos em Buena Vista e um albergue abarrotado de refugiados de furacões. Os turistas que comprarem esse pacote não poderão manusear moeda conversível e para os seus gastos de duas semanas contariam com o salário médio de um mês: trezentos pesos cubanos. Dessa forma, eles não consegueriam entrar nos táxis especiais nem dirigir um carro alugado pelas estradas do país; o uso do transporte público seria obrigatório para os interessados nessa nova modalidade de viagens.
Os restaurantes estarão vedados aos que optarem por essa excursão e eles receberão um pão de oitenta gramas a cada dia. Talvez até tenham a sorte de conseguir duzentas gramas de peixe antes da saída do voo de regresso. Para se deslocar até outras províncias, não contarão com a opção da Viazul, embora, em vez de ficar três dias na fila por um bilhete, talvez possa ser oferecida a eles a vantagem de comprá-lo depois de apenas um dia de espera. Estarão proibidos de subir em um iate ou de obter uma prancha de surfe, a não ser que terminem a sua estadia a noventa milhas e não no nosso "paraíso" caribenho.
Ao finalizar a viagem, os destemidos excursionistas obteriam um diploma de "conhecedores da realidade cubana", mas teriam que vir mais algumas vezes para ser declarados "adaptos" ao nosso absurdo cotidiano. Iriam embora mais magros, mais tristes, com uma obsessão pela comida que será saciada nos supermercados dos seus países e, sobretudo, com uma tremenda alergia pelos anúncios turísticos. Essas douradas propagandas que mostram uma Cuba de mulatas, rum, música e bailes não vão poder esconder o panorama de ruínas, frustração e inércia que eles já terão conhecido e vivido.

(Yoani Sanchéz em De Cuba com Carinho)

Ps. Esse trecho é de um blog, que foi transformado em livro. Essa blogueira posta suas críticas, num país onde a repressão e a mentira sobre dados oficiais são a principal forma de poder. A realidade de Cuba. Ok, pode ser meio "nerd", mas admiro esse blog crítico, que mostra um pouco da vida real, que o mundo não vê e, em sua maioria, não se interessa. Leiam o livro, recomendo.

Postado por Letícia Christmann

Caminho

em quinta-feira, maio 20, 2010
Quase de madrugada ela andava de bicicleta. Estava indo de volta pra casa, finalmente. O dia fora cansativo, e a cabeça rodava, circulava, corria e se moía em pensamentos que, devaneantes, não levavam a lugar algum. As luzes passavam, refletidas no asfalto, já gasto, por tantos caminhos que tantos passaram sem saber onde iam. Ou, ainda, porque iam.
A neblina estava forte naquela noite. Mal se enxergava um palmo a frente do nariz. A cabeça dela também estava nebulosa. Não sabia o que pensar direito, nem se pensar faria alguma diferença. Tinha consciência já, que, dali pra frente, seriam as atitudes que mudariam os rumos da sua vida. Já dizia alguém famoso, ela constatou, que se você não sabe para onde vai, todos os caminhos levam a lugar nenhum.
A ideia era fugir dos pensamentos, ocupar a cabeça com eventos acadêmicos... E deixar o tempo rolar, as coisas acontecerem. Carregava consigo cicatrizes, não tão cicatrizadas assim, e bem visíveis.
Desceu a rua do cemitério, finalmente estava perto de casa. O vento perpassava congelante nos olhos, o nariz gelado, os dentes batendo de frio. O frio que sentia por dentro era muito maior. Não era mais aquele frio gostoso, que vinha quando o olhava. O frio agora era aquele da saudade, junto com a sensação de perda. O amor que vai se perdendo aos poucos, mas que fica guardado no coração.
Desceu da bicicleta e entrou em casa. Mas casa? Que casa? Queria poder, pelo menos em pensamento, amá-lo, e ser correspondida. Assim, ela se sentiria em casa em qualquer lugar.
Trancou o portão, respirou fundo e compreendeu: ainda tinha um caminho bem comprido pela frente.


Letícia Christmann

Parte de Mim

em segunda-feira, maio 17, 2010



Fomos tanto
Que sempre tinha gente aqui
Pra ver de perto
O que alguém chamou de amor
Que desmancha
E hoje a gente sabe bem
A casa está vazia agora
E hoje fica sem você

Quando eu te enchi de razão
Você me chamou de fraco, velho
Pegue o que tiver que pegar
Mais o que quiser
E parte de mim
Parte de mim
Quer te ver feliz
Parte de mim
Te expulsa e morre

Foram tantas
As brigas me faziam rir
Não era certo nem errado
Era o que devia ser
E nos dias
Nas datas pra comemorar
A gente não jurava mais nada
E só bebia pra esquecer

O que era lindo se foi
Agora é normal e chato, um tédio
Pegue o que tiver que pegar
Mais o que quiser
E parte de mim
Parte de mim
Quer te ver feliz
Parte de mim
Te expulsa, te perde

Então fica assim
O último apaga a luz
Na porta que não range mais
Ouvi o barulho mesmo assim
(Gram)
Postado por Letícia Christmann

Ontem

em sexta-feira, maio 14, 2010
Até hoje perplexo
ante o que muchou
e não eram pétalas.
-
De como este banco
não reteve forma,
cor ou lembrança.
-
Nem esta árvore
balança o galho
que balançava
-
Tudo foi breve
e definitivo.
Eis está gravado
-
não no ar, em mim,
que por minha vez
escrevo, dissipo.

Carlos Drummond de Andrade em A Rosa do Povo
Postado por Letícia Christmann

Circo

em quarta-feira, maio 12, 2010
Que abram-se as cortinas!
A palhaçada vai começar.
Aliás, já começou.
Uma mentira, um fingimento.
Pra que se importar com os sentimentos dos outros?
A magia acontece, começa.
Mas ela sempre termina.
Por que?
Usar pessoas da maneira mais indecente de todas.
Fingir, rir.
Não sentir.
Rir?
Ra Ra Ra...
Brincar com corações.
Fazê-los felizes por algum tempo.
Fngir estar bem, ver a leveza das coisas com humor.
Ridículo.
Diferente? Só se for para alguns.
Que fechem-se as cortinas!
A magia já terminou.
E está na hora da palhaçada acabar.
Risos?
Deixo pra vocês minhas lágrimas.
E garanto, muito mais sinceras do que todo esse fingimento.
-
"...Fácil é abraçar, apertar as mãos, beijar de olhos fechados.
Difícil é sentir a energia que é transmitida.
Aquela que toma conta do corpo como uma corrente elétrica quando tocamos a pessoa certa..."
(Carlos Drummond de Andrade)
Letícia Christmann

E agora?

em sábado, maio 08, 2010
Sente-se,
Não canse a esperança.
Descance,
Tome paciência.
Chore,
Enxugue a alma.
Escute
Música alta
Olhe,
Siga o caminho.
Acredite!
Não ficarás sozinho.
Esqueça
Erros já cometidos.

(Karol Coelho)

O Animal que governa a Terra

em quinta-feira, maio 06, 2010
Agora
Animalizou-se
O homem

Antes foi animal que se humanizou
Agora é humano que se animaliza

Mas não foi o regresso às cavernas

Pior que isso
Foi o retorno às trevas

Agora o homem transmutou-se
Na pior e mais animalesca
De todas as bestas
E feras

Predador
Antropófago
Poluidor
Praga destruidora dos ecossistemas
Inteligência do mal
Que ameaça a própria sobrevivência da espécie

Em terra
No mar
No ar
E no próprio Espaço

Animal consciente
Que mata
Mente
Rouba
Destrói
Semeia o terror
E se alimenta de poder
De vaidade
Da mentira
E da guerra

E que apenas tem como lei a liberdade dos instintos

Este novo animal
Já tomou o poder
E governa a Terra
(Henrique Pedro)
Ps. Achei esse poema passeando na net (mais especificamente em http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=131488 ) , e achei ele bastante reflexivo. Até que ponto podemos usar o planeta do jeito que usamos? Até que ponto somos nós que tomamos o lugar e o poder aqui? Até onde exigir do mundo o que ele já não consegue nos dar por posturas nossas?
Postado por Letícia Christmann

Consolo na Praia

em segunda-feira, maio 03, 2010
Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
-
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
-
Pesdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
-
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
-
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
-
Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
-
(Carlos Drummond de Andrade em A Rosa do Povo)
-
Ps. Esse poema é perfeito. Melancólico sim, mas na medida certa.
Postado por Letícia Christmann
 
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