Reaprender

em terça-feira, fevereiro 02, 2010
A bandeira tremulava no último andar do edifício mais alto, e era a maior bandeira que a cidade já tinha visto.
Aquele edifício era famoso pelos seus ensinamentos, pelas frases que vira e mexe eram impressas na sua extensão. Mas, toda vez que a bandeira aparecia, e eram raras as vezes, sabiam que o conselho precisava ser seguido com urgência.
Naquela manhã, encostou a porta depois de uma noite inteira de trabalho, respirou fundo, tomou banho, se secou com a toalha desbotada, e foi dormir. Não tinha fome, não tinha medo, não tinha sono, não tinha sorriso, não tinha cor. Tinha o coração carregado de tristeza, os olhos tomados pelo vazio. As janelas do apartamento continuavam todas fechadas. A luz do dia incomodava, lembrava a cor dos cabelos dele.
O fato é que o marido a deixara há quase uma semana, e ela até agora não sabia porquê, ou pra onde fora. Olhou para ela quando chegou de mais um dia de trabalho e disse apenas: "Estou indo embora e a partir de hoje, considere-se solteira. Os papéis chegarão logo para você assinar." Foram 5 anos de casamento, os 5 mais felizes da vida dela, e ao mesmo tempo, os mais confusos. Quando ela estava feliz, ele estava triste. Quando ela estava triste, ele feliz. Quando estavam ambos indiferentes, o clima era frio, desagradável. Nunca parecia certo, nem pra um, nem pra outro. Era um casamento onde a felicidade de um era alimentada pela tristeza do outro. A consequência disso foi a separação abrupta.
Daqui uns anos, tal separação faria bem para ela. Mas a convivência, a divisão da vida com um outro alguém, o compartilhar da cama... Ela sentia falta disso.
Enquanto tentava dormir, filmes e imagens passavam pela mente da mulher, que chorava não pela tristeza, mas pela solidão.
Resolveu levantar, abrir as cortinas, deixar o dia entrar. Não ia conseguir dormir de qualquer maneira e talvez o sol a animasse.
Quando viu a bandeira pendurada a uns dois prédios a frente, entendeu que devia haver mais ou menos uma semana que ela estava pendurada ali, com a mensagem para ela, para a cidade, para o mundo, que vinha escrita em branco com o fundo preto:
"Precisa-se, com urgência, reaprender-se a amar."
E concluiu, com o pijama desbotado, a escova de dentes esgarçada e o sorriso amarelado, que ela precisava reaprender a viver.

Letícia Christmann

7 comentários:

Érica Ferro disse...

Porque viver não é nada fácil, mas é possível aprender.

Beijo, Lê.
Adorei o continho. ;)

Báh disse...

Tudo é o costume.. a rotina.. a acomodação nessas horas..

Reaprender a viver é MTO necessari!

parabens lê! (L)

=**

uma criança. disse...

Reaprender a viver é essencial, se quisermos retirar o véu grosso da ignorância da nossa frente e seguir com mentalidade aberta, respeitando o sentimento do outro e sabendo o verdadeiro significado do amor.

Foda, Letz! mesmo!

Thai Nascimento disse...

É sempre importante reaprendermos a viver. A gente tem de se moldar aos acontecimentos, por piores e mais dolorosos que sejam.

Parabéns pelo conto, realmente amei♥

Rebeca Postigo disse...

Viver é tão complicado...
Mas temos que viver...
Um lindo conto...

Bjs

Gabriela Marques de Omena disse...

Melhor sofrer sozinho do que acompanhado. Lá os dois sofriam, agora é apenas ela.

É preciso saber viver (8)

Jééh disse...

nossa muito lindo isso, as vezes os entregamos fácil demais a dor e nos esquecemos de coisas simples como viver.

belo texto ^^

 
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