O prédio ecoava vozes, lembranças, impressões, informações e sentimentos. As escadas se enroscavam num vai e volta e ninguém, realmente, sabia onde ia. Ali, tudo estava do avesso. Livros lidos cabiam dentro de uma garrafa pet, amontoados, empilhados e mesmo naquela desordem toda, organizados. A seção dos livros ficava no andar térreo (ou primeiro andar), os lidos numa garrafa pet e os não lidos em inúmeros e inumeros galões de água. Etiquetados.
No segundo andar, a sujeira de experimentos, sangue, lágrimas, desacordos, mentiras, trapaças e, o essencial, descobertas. Era o andar dos testes, das provas. Ali, tudo que era provado (ou desaprovado) deixava marcas. Parecia um coração em desritmia. A escada do primeiro para o segundo andar se mostrava torta, com o corrimão solto e, em muitas partes, haviam rastros de sangue.
Já a escada para o terceiro andar era mais limpa, clean, bonita, bem cuidada, o corrimão firme. Era, logo acima do teste, o andar dos pensamentos. Subindo ali, uma loucura. Para os mais íntimos e chegados, o andar da neblina. Ali tudo era confuso, misturado e meio devagar. Não se enxergava direito e não havia conflitos, apenas distanciamentos.
Para subir ao último andar, deveria se tomar o cuidado para não cair na escada. Parecia que se passava por um furacão para chegar até ali. Era o andar dos sentimentos, e apesar de tudo em grande parte ser uma calmaria, os mais intensos vaziam uma reviravolta sem igual quando queriam. Um andar tranquilo, sofrido, confuso. Informações invadiam pela janela e pela escada inexplicavelmente, e todos se mexiam, olhando a informação e dando impressões. Ali era puro ativismo.
Por fim, saiu do prédio. Conhecia-se por dentro agora. Aquilo que a compunha, como as coisas aconteciam e porque aconteciam. Tudo na sua devida ordem, no seu respectivo espaço, exigindo respeito. Era aquilo que precisava entender. A vida era compartimentos. E em cada um havia espaço para uma lembrança. Ela era uma acumulação de pequenas lembranças. E para tê-las, só o tempo era capaz de escolher. Afinal, o tempo era a estrutura do prédio.
Letícia Christmann