Natal

em domingo, dezembro 20, 2009
- Venha menina, venha! - dizia minha mãe, enquanto me puxava pelo pulso entre as pessoas que se aglomeravam para ver a passagem da orquestra de Natal.
Me lembro bem... Naquela época a música de paz, de total junção dos instrumentos já me encantavam. Eu sempre queria me enfiar no meio do povo para poder ver a mamãe noel ao lado do papai noel, e os duendes... Parecia tudo tão mágico. Mas minha mãe sempre me puxava pra longe. Eu nunca entendia muito bem quando ela reclamava do consumismo, do povo perdendo o juízo.
Para mim, a época do Natal era magnífica. Ganhava sempre uma roupa nova para ir a igreja, a mesa era farta por dois dias seguidos... Tanta coisa gostosa. E era a época que eu via meu pai. Meus pais não se aturavam. Exceto no Natal, eu podia ver os dois sorrindos em volta da mesma mesa. Nunca entendi muito bem porque da separação, ou porque no Natal os dois conseguiam, ao menos, se olhar. Se olho para o passado hoje, percebo quantas perguntas ainda estão perdidas na minha memória, esperando uma resposta que ao certo nunca chegará.
Minha avó me disse, antes de morrer, que minha mãe havia ido embora porque não conseguia mais se segurar. Meu pai, sumiu, assim como minha mãe. Fui crescendo e percebendo o fim da magia do Natal. Morando num orfanato, é a época em que as pessoas sentem dó. Dó, o pior sentimento que poderia existir em qualquer um dos tempos. Natal, Ano Novo, Páscoa.
O tempo passou rápido depois que me vi sozinha no mundo. Toda noite, o rosto do papai noel e a voz da minha mãe ecoavam na minha mente antes de dormir. Todo Natal eu pedia minha mãe de volta. Todo aniversário, eu pedia minha mãe de presente.
Cresci, cresci assim. Com saudade, na merda e vendo tristeza ao meu redor. Dó, foi o único sentimento que recebi depois que minha avó morreu. Hoje, tenho aversão a dó.
Se posso me sentar agora, vendo meus netos e meus filhos na ceia de Natal. Noto que venci.
Não tenho aversão apenas a dó. Tenho aversão a papai noel também. Estranho né?! Mas a magia do Natal se encerrou quando a falsidade se tornou presente nesse momento, quando o presente se tornou mais importante que o gesto de carinho, que o sorriso de afeição.
Encontrei, anos depois, o túmulo da minha mãe. Tinha os dizeres: "Morreu como viveu, subitamente." Quem poderia ter escrito aquilo lá? Certamente um louco, um drogado, um delinquente. O túmulo do meu pai estava numa cidade totalmente o oposto da dela. Eles haviam conseguido o que queriam, se separaram para sempre. No do meu pai, os dizeres: "Saudades eternas daquele que um dia foi muito especial." Ele deveria ter constituído outra família. Mas eu sentia saudades dele desde os meus 6 anos de idade. E a ferida só me permitiu procurar ele, procurar ela, mais de 40 anos depois.
Não importa como as coisas aconteceram. Importa que toda ação dói. Que o abandono dói. Que o Natal não faz sentido quando não se tem quem abraçar, quem te levar para sentar no colo do papai noel. Aprendi isso depois de muita briga comigo mesma.
Afinal, o que importa não é o que você tem na vida. Mas quem você tem na vida. E no Natal!

Letícia Christmann

5 comentários:

Tay disse...

Adorei o texto. *-*

Jééh disse...

nossa eu digo que é muito triste
quase chorei
sim, eu sou uma pessoa fresquinha que chora por tudo :S
mas adorei o fato dela ter superado tudo, 'no final tudo acaba bem, se não estar bem é porque ainda não acabou'

rafael disse...

Eu já disse que a Lê escreve muito???

Ótimo texto lê!!!!

Continue assim e feliz Natal!!!

beijos ;*

Érica Ferro disse...

Caraca, velho!
Arrasou, de verdade.

Nem tenho o que dizer.
Descreveu uma das realidades que vemos por trás do Natal, ofuscada pelos pisca-piscas.

Beijo.

Vinícius disse...

Pois é, o texto me lembrou mais ou menos o porque de eu não dar mais a mínima pro natal.Fora a farsa por trás da data (data do culto a Mitra, cristianizado pela igreja católica), as festas com as mesas cheias, visitas de tios e primos e a magia há muito ficaram para trás.
Comemorar a gente até comemora, pra não destoar muito do resto do rebanho...
Ótimo blog, excelente texto.
Parabéns.

 
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