No mundo atual...

em sexta-feira, julho 30, 2010
Foi devagar que aconteceu. Ela ia percebendo, aos poucos, a dificuldade de ser o que era, do que queria ser. O mundo exigia cada vez mais. Sorrisos são bem mais fáceis de aparecerem do que lágrimas de desgosto. A verdade, para ela, é que a felicidade era mais fácil de ser fingida do que a honestidade das lágrimas que guardava dentro de si. Do que a mágoa que se acumulava disfarçada em sorrisos e conversas sem pesos e, em sua maioria, sem seriedade. O rosto sereno era treino, aprendera a ser assim, uma vez que o abismo que se abria em seu peito não era bem visto pela sociedade. E foi assim, adestrada pelo mundo e suas exigências que ela ia aprendendo a ser o que não era e, consequentemente, ia aceitando e se acostumando com algo que não lhe pertencia.
Era um problema sua sinceridade, sua honestidade. Era um problema seu mundo de pequenas lembranças inesquecíveis. Era um problema o dia do mau humor, e o dia do humor elevado. Na realidade, era um problema ser quem era, o que sentia, o que pensava.
Percebeu que uma pessoa como ela não era bem vinda num mundo de aparências. E concluiu que não pertencia àquele lugar. Devia ser de Marte, Júpiter, nascera nas estrelas. Seus sonhos não eram segredos, suas ambições não era anormais, seus sentimentos... Estes ela sabia que todo mundo sentia, mas encontravam-se disfarçados em sorrisos e xícaras de chá. Não, não era ela a anormal. Era o mundo irreal, de fingimentos e aparências.
Honestidade, sinceridade, mau humor não são itens listados na página de pecados. São itens esquecidos pelo mundo, uma vez que não se pode ser quem é porque é, e porque quer. E sim quem não é porque precisa ser, visto que o mundo pede mais, e quem pede, no fundo, não sabe porque pede. Ela ainda se perguntava: onde tudo aquilo ia parar?
"No mundo atual, está se investindo cinco vezes mais em remédios para virilidade masculina e silicone para mulheres do que na cura do mal de Alzheimer. Daqui a alguns anos, teremos velhas de seios grandes e velhos de pau duro, mas eles não se lembrarão para que servem." (Dr. Dráuzio Varella)
Letícia Christmann

Numa sacola...

em quarta-feira, julho 28, 2010
Arrumei minha mala. Nela coloquei os livros pra devolver, as amizades fortalecidas, o laço com minha mãe mais forte, a saudade de toda a correria daqui. Nela, em cada cantinho, tinha um pouco desse um mês e meio nessa cidade maluca. Um pouco do sorriso, do olhar de cada um.
Dias, lembranças, saudades... Foi uma diversão e tanto!! Coube também a roupa limpa com cheirinho de mamãe, os problemas familiares que parecem não ter fim, o amor. Coube saudades de uma época mais distante também, mas essa num sei se está na mala ou no coração. As esquinas continuam as mesmas, e as lembranças não são apagadas assim tão fácil.
Acho engraçado, levo minha vida numa sacola... E cabe muita coisa nela!


"Não importa os sentimentos, eu continuo sentindo...
Quais são os sentimentos que você deixou pra trás?"
(U2 - A Day Without Me)

Letícia Christmann

Silêncio compreendido

em terça-feira, julho 27, 2010
A gente se compreende em silêncio
Nossas palavras são os olhares, profundos
Nosso carinho é escondido,
sentido num abraço, num simples gesto
Nos falamos com beijos pesados... leves, intensos e serenos
Nos entendemos com o sentir do pulsar dos nossos corações
Nos sentimos com nosso suor inquieto
Caminhamos juntos sem precisarmos dar as mãos

A gente se gosta baixinho
Nem precisamos dizer algo
Em nosso silêncio preenchemos nosso vazio,
compreendemos nossos desejos,
acertamos nosso caminho.

(Karol Coelho)

É Proibido

em domingo, julho 25, 2010
É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.
-
É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
-
Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos
-
Não tentar compreender os que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
-
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino.
-
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
-
Esquecer seus olhos, seus sorrisos, só porque seus caminhos de desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido tentar não compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
-
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
-
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,
-
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você esse mundo não seria igual.

Pablo Neruda
Postado por Letícia Christmann

Eu sei, mas não devia!

em quinta-feira, julho 22, 2010
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(Marina Colasanti - Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.)
Parabéns pra você que leu até o final!
Sabe quando esse texto foi escrito? Em 1972! E é incrível como nesse tempo as pessoas já tinham as mesmas reclamações que a gente! Incrível!
Quem me apresentou esse texto foi a Julia Asche, linda designer, ao fechar um ciclo importante comigo e uns amigos. Obrigada, Julia!
Agora, se você ainda ta afim de ler mais, taí uma breve biografia da autora desse maravilhoso texto.
Beijo!
Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.
Karol Coelho

O Seu Santo Nome

em quarta-feira, julho 21, 2010
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
(Carlos Drummond de Andrade)
Postado por Letícia Christmann

Sobre o amor

em sábado, julho 17, 2010
É por amor que te abraço,
Por amor, te beijo...
Por amor, velo teu sono...
Por amor, guardo (e sinto ainda!) teu cheiro...
Por amor, sinto saudade...
Por amor, conto as horas, os dias ou até os anos pra te ver...
Por amor, sorrisos infinitos...
Por amor, lágrimas incontáveis...
Por amor, lembranças eternas...
Por amor, amizade...
Por amor, cuido de ti...
E, é por amor, que essa distância parece tão grande,
E eu, por amor, me distancio mais.
Por quê?
Porque o amor é esse paradoxo:
Do doer e não doer;
Do rir e do chorar;
Do pensar e do sentir.

Letícia Christmann

Um pouco de angústia

em terça-feira, julho 13, 2010
"...Ela me olhou - Vem!
Quem sabe com ela
Eu veria as tardes
Que sempre me faltaram
Como miragens, como ilusão!..."
(Ali-Skank)


As mãos nos bolsos era um sinal para quem a conhecia: ela não estava bem, mas estava se controlando para mostrar que deveria estar.
Foi naquela tarde, depois de desligar o celular com lágrimas nos olhos que percebeu o quanto era realmente insignificante qualquer coisa que tentasse. Ele nunca iria mudar, e ela sabia disso desde sempre. Desde os quinze anos, quando ele entrou naquela sala estranha com pessoas estranhas. As coisas deram certo, eles deram certo. Porém, com prazo de validade.
Sempre que estava nervosa, as mãos dela suavam. Era seu sinal, havia algo errado, ou certo demais para ser verdade. Mas, naquele dia de noite, que as mãos estavam nos bolsos, havia algo muito errado.
Sentada sozinha passou a colocar os pingos nos i's, juntou peças e os acontecimentos ao seu redor. As pessoas não se importavam mais. Pra quê elas deveriam se importar? Os sentimentos são mutáveis, exceto o amor. Tinha uma concepção de amor: respeito, carinho, fidelidade, companheirismo e amizade, acima de tudo. Para ela, a amizade era o primeiro passo para amar. E mesmo que o acreditado amor seja só uma paixonite, a amizade prevalece. Ele nunca a amara. Eles nunca deram o primeiro passo. Nunca foram sinceramente e somente amigos. Havia algo mais naqueles olhares. Havia desejo, e não amor.
Enterrou-se nos edredons depois de trocar de roupa. Não queria falar com ninguém. Ela, seus pensamentos e sua melhor companhia: a solidão. Precisava pensar, reorganizar. O mundo estava de cabeça pra baixo.
Reconheceu que ninguém nunca soube amá-la como ela ainda sabe amar. Amor acontece, amizade acontece. Mas faltou um pouco de clareza em muitos aspectos de todos que já haviam passado na sua vida.

Daquele dia em diante, ela passou a desacreditar no amor. Em amar. Mas nunca perdeu a esperança de ser verdadeiramente amada. Porém, a camisola continuava desbotada. E os ededrons muito mais quentes que os braços de qualquer homem.
Letícia Christmann

Trocando passos

em segunda-feira, julho 12, 2010
Troco passos com ninguém
esperando por você,
mas você não vem
e agora não sei o que me convém
Tento me aproveitar,
ser minha companhia.
Por onde você caminha?
Quero lhe acompanhar!
Falta, não pareço fazer.
Quero evitar procurar você.
Revelo o desejo pelo teu abraço,
você me encontra e se mantém calado.
Continuo meu caminho
Trocando passos com ninguém.
Sozinho.
(Karol Coelho)

Bilhete

em sábado, julho 10, 2010
Se tu me amas,
Ama-me baixinho.
~
Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.
~
Deixa em paz a mim!
~
Se me queres,
enfim,
~
tem que ser bem devagarinho,
amada,
~
que a vida é breve,
e o amor
mais breve ainda.

Mário Quintana

Postado por Letícia Christmann

Save It For A Rainy Day

em quinta-feira, julho 08, 2010


* * *

"Nos dias de chuva, chova também,
em compadecimento do céu que está triste.
Nos dias de sol, seja calor e sorrisos,
para honrar o sangue que corre em
suas veias."
(Erica Ferro)

*A música é da banda The Jayhawks.
É viciante, bonita, com uma melodia
gostosa e com certeza vai
grudar na sua cabeça.


Postado por Erica Ferro
 
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